Possibilidade de interromper gravidez em casos de anencefalia ganha maioria no STF
O ministro Ayres Britto foi o primeiro a se manifestar nesta quinta e garantiu maioria à reivindicação da ADPF 54. Britto caracterizou como “estranho” o fato do Brasil penalizar o aborto sem que sua Constituição ou Código Penal definam quando se inicia a vida humana. “Sob o início da vida, a Constituição é de um silêncio de morte”, repetiu o ministro.
Ele também criticou o machismo que sustenta as leis no país: “Se um homem engravidasse o aborto já seria livre desde sempre”.
Especificamente sobre a interrupção de gravidez em casos de anencefalia, o ministro ressaltou que este caso “só é aborto em linguagem simplesmente coloquial, não é aborto em linguagem depuradamente jurídica”, uma vez que o feto “é padecente de inviabilidade vital”.
Britto, citando o francês Charles Fourier, afirmou que “o grau de civilização de uma sociedade se mede pelo grau de liberdade de uma mulher” e destacou as consequências físicas, psíquicas e morais que podem acometer uma mulher gestante de feto anencéfalo. “Levar as últimas consequências esse martírio contra a vontade da mulher, corresponde a tortura. Ninguém pode exigir de outro que se assuma como mártir, o martírio é voluntário, quem quiser assumir que o faça, ninguém está proibindo”.
O Brasil possui atualmente 65 hospitais da rede pública que estão qualificados para realizar aborto de fetos anencéfalos, de acordo com o Ministério da Saúde. Ainda segundo o governo, até o final do ano serão mais 30 unidades, totalizando 95 locais pelo país.
Os locais não são divulgados devido ao temor de represálias às pacientes e à equipe médica que realiza o procedimento. A informação é repassada à gestante durante atendimento na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).
Número de hospitais que realizam interrupção de gravidez de anencéfalos por estado | |
Acre | 2 |
Alagoas | 1 |
Amazonas | 3 |
Amapá | 1 |
Bahia | 1 |
Ceará | 9 |
Distrito Federal | 1 |
Espírito Santo | 1 |
Goiás | 1 |
Maranhão | 4 |
Minas Gerais | 5 |
Mato Grosso | 3 |
Mato Grosso do Sul | 1 |
Pará | 2 |
Paraná* | 0 |
Paraíba | 1 |
Pernambuco | 5 |
Piauí | 2 |
Rio de Janeiro | 1 |
Rondônia | 2 |
Rio Grande do Sul | 4 |
Rio Grande do Norte | 1 |
Roraima* | 0 |
Santa Catarina | 1 |
Sergipe | 1 |
São Paulo | 11 |
Tocantins | 1 |
*De acordo com o Ministério da Saúde, Roraima e Paraná terão unidades credenciadas até o fim do ano |
Esses hospitais, que já realizavam interrupções de gravidez em casos de estupro e risco à vida da mãe, passarão também a receber grávidas de fetos sem cérebro que optaram pelo aborto com assistência médica.
Nesta quinta-feira (12), o Supremo Tribunal Federal (STF) legalizou a interrupção da gravidez nesses casos. Após dois dias de debates, os ministros definiram que o aborto em caso de anencefalia não é crime por 8 votos a 2.
A decisão passa a valer após a publicação no "Diário de Justiça". Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Aliado ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a interrupção da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero.
Unidades
De acordo com o governo federal, o estado de São Paulo é o que mais concentra unidades de atendimento atualmente (11, sendo quatro na capital paulista), seguido do Ceará (9), Minas Gerais e Pernambuco (5 hospitais em cada).
Os dois únicos estados sem hospitais autorizados a fazer interrupções de gravidez pelo SUS são Roraima e Paraná, mas o Ministério afirma que eles serão contemplados até o fim do ano (confira a tabela).